Escolheu o seu melhor chapéu, saiu de casa
Mal sabia nesse dia que já não voltava
Gostava de voar, de nos ver pequeninos
Mas nesse dia quis descer e ver porque sorrimos
As asas presas no casaco, os olhos claros
O fumo negro do cigarro entre os dedos magros
Ninguém ouviu
Ninguém ouviu
No meio da avenida, carros perfilados
Entravam e saiam do seu peito apressados
Um corvo em voo picado pousou no seu ombro
Não sei o que lhe disse antes de cair redondo
A eternidade foi-lhe sempre apertada
Como o seu melhor chapéu de feltro negro e aba larga
Ninguém ouviu
Ninguém ouviu
Acordou sem asas, pena só teve quem viu
Todos se juntaram num tremendo rodopio
O senhor José era muito querido
Era bom marido e amigo do seu amigo
E dizia a esposa em direto na TV:
"O meu querido Zé, o meu querido Zé
Nunca encontrou sossego
Desde que perdeu o emprego"